Frederico Turolla
O biênio 1998-1999 entrou para a história do Brasil. Em meio a uma forte crise, o país completou a transição do regime de estabilização de preços. Foi uma experiência doída, mas necessária, para todas as nações que passaram por isto.
Naquele biênio, assistiu-se a uma tríplice mudança de regimes:
- em outubro de 1998, o Programa de Estabilidade Fiscal completou um amplo conjunto de reformas voltadas para a solvência nos três níveis de governo;
- em janeiro de 1999, o real saiu da banda, e as expectativas de estouro da inflação não se materializaram; e
- em maio de 1999, na gestão Fraga no Banco Central e Malan na Fazenda, o regime monetário foi ajustado para as metas de inflação, com o decreto 3.088/99, de apenas 6 artigos.
Formou-se um tripé de regimes de política econômica que ancorou as expectativas dos agentes econômicos por mais de uma década. Este constituiu uma sólida estrutura macroeconômica, que permitiu ao país aproveitar a dupla janela de oportunidades que veio em seguida.
Do lado de dentro da janela, os benefícios das amplas reformas institucionais dos anos 90. Do lado de fora, a era de ouro dos países emergentes. Foi fundamental a escolha de Lula, de permitir até um reforço no tripé sob Palocci e Meirelles, o que foi decisivo para catapultar o país ao destaque internacional que vivemos até 2011.
O biênio 2012-2013 pode, igualmente, entrar para a história. Nesse biênio, o tripé de regimes vem perdendo duas de suas bases de sustentação, que viraram pés-de-barro. O câmbio não flutua mais. O superávit primário está virando conta de energia, subsídio ao BNDES e outras bondades federais para a copa e a cozinha.
O tripé virou um autêntico saci-pererê. Se você não acredita em sacis, o governo sim.
Uma nota necessária: na Argentina, nem pé de saci se tem. Lá, a política econômica não precisa de nenhuma sustentação física: flutua, sustenta-se no ar, levitando ao sopro da magia de Cristina. Se for ilusionismo barato, problema deles. Voltemos ao nosso problema.
Sobrou, assim, o regime de metas de inflação. Claro que alguns dirão que estou exagerando no otimismo, ao defender que ainda existe um regime de metas de inflação. Afinal, estamos todos, incluindo o câmbio, o prefeito de São Paulo, o governador de São Paulo, e dizem que até mesmo as chuvas, unidos em uma cruzada contra a inflação. Como conclamava o presidente Sarney, vamos juntos pelo país.
Claro que estas jabuticabas brotam no Brasil e estão em plena safra. Lembra, bastante, aquela safra de jabuticabas grandonas dos anos 70/80. Porém, se há algum motivo para alento, foi o diagnóstico da ata do Copom, que saiu na semana passada.
A ata trouxe diagnóstico duro e um recado: cortar juros não nos libertará do pibinho. O barco do Banco Central não tem a “boia de prata”. Leia:
“26. O Copom pondera que o ritmo de recuperação da atividade econômica doméstica – menos intenso do que se antecipava – se deve essencialmente a limitações no campo da oferta. Dada sua natureza, portanto, esses impedimentos não podem ser endereçados por ações de política monetária, que são, por excelência, instrumento de controle da demanda. A propósito, não obstante a fragilidade do investimento, que reflete, em grande parte, o aumento de incertezas e a lenta recuperação da confiança, a demanda doméstica continuará a ser impulsionada pelos efeitos defasados de ações de política monetária implementadas recentemente, bem como pela expansão moderada da oferta de crédito, tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas. O Comitê entende, adicionalmente, que a atividade doméstica continuará a ser favorecida pelas transferências públicas, bem como pelo vigor do mercado de trabalho, que se reflete em taxas de desemprego historicamente baixas e em crescimento dos salários, apesar de certa acomodação na margem”.
Desde a criação do COPOM, em 1996, a presidência do Comitê foi confiada a banqueiros centrais de reputação e destaque internacional. Apesar da reputação e competência de Alexandre Tombini, a ruptura de pelo menos dois regimes coloca-o, junto ao seu Conselho, sob uma perigosa espada de Dâmocles: o recrudescimento da inflação, que pode manchar um octeto de biografias.
É ótimo que se revoltem e mandem seu recado. Tomara que continuem assim, pois têm mandato para isto.
Avisaram ao governo que não adianta aprisionar o COPOM na garrafa, pois em economia, saci não tem poderes mágicos. O nome do jogo é investimento produtivo, como sempre foi, e em última instância, a produtividade, que o governo insiste em derrubar.
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